15 de dez. de 2009

O MUNDO É UM PANDEIRO


A crise econômica e outros epsódios deste ano me renderam uma série de idéias para charges. Algumas foram realizadas e postadas aqui, nos últimos meses. Outras ficaram apenas no esboço, devido a outros projetos e prioridades acumuladas. Pretendo finaliza-las até 31 de dezembro e talvez transforme o conjunto deste trabalho numa exposição, para o início de 2010. O título provisório é O MUNDO É UM PANDEIRO (ou 2009: O ANO EM QUE O MUNDO ACABOU E NÓS NÃO PERCEBEMOS).

Desde que Obama disse que o Lula "é o cara", durante a cúpula do G20 em Londres, comecei a achar que os dois formam uma espécie de dupla dinâmica da política internacional. Obama não se limitou a dizer "este é o cara". Completou ainda: "Eu adoro este cara. É o político mais popular do planeta. É porque ele é boa pinta". Isso é quase uma declaração de amor. Mas um amigo meu, que entende bem o inglês, disse que o melhor sentido para a frase de Obama, "this is my man" (cuja a tradução literal é "este é meu homem"! Hummmm... ), não seria bem "este é o cara", mas sim "este é meu chapa (meu parceiro, meu chegado, etc...)".

Pensei inicialmente em desenhar Obama como Batman e Lula como Robin, para acompanhar a interpretação do meu amigo de que a frase de Obama seria "este é meu chapa". Mas acredito que aquele momento de crise, em que dois heróis americanos clássicos seriam bem vindos, era também um momento de celebração. Afinal, temos agora no protagonismo da política internacional, um operário e um negro, algo inimaginável a anos atrás.

Optei então por criar uma cena mais brasileira e carnavalesca. Lembrei logo de Carmem e Aurora Miranda, acompanhadas do Bando da Lua, um conjunto musical de rapazes com trajes de malandro carioca. Numa das cenas do filme VOCÊ JÁ FOI A BAHIA ?, de Walt Disney, Aurora Miranda e o Bando da Lua contracenam com Zé Carioca e Pato Donald, ao som de uma música chamada OS QUINDINS DE IÁ IÁ. O filme fazia parte dos esforços do governo americano de estreitar os vínculos com a América Latina,a partir da década de 30. Carmem Miranda viria a se tornar uma das atrizes mais populares de Hollywood, a partir da década de 40.

Assim, optei por retratar Obama como um dos integrantes do Bando da Lua, tocando pandeiro, e Lula como Carmem Miranda, numa referência às primeiras aproximações entre a indústria cultural americana e a cultura popular brasileira. Os trajes de Lula não seguem a risca a exuberância dos vestidos e "balangandãs" de Carmem Miranda, mas lembram a maneira como os homens se vestem de mulher no carnaval para brincar nos blocos de rua. Aliás, será que Lula, tão popular, já bricou vestido de mulher no carnaval ? O figurino de Obama é o mesmo usado pelos rapazes do Bando da Lua no filme VOCÊ JÀ FOI A BAHIA.

O cenário também remete ao filme, além de se inspirar nos traços usados por Di Cavalcanti para retratar alguns ambientes em seus quadros. Estamos ali numa estreita rua de paralelepípedos cercada de bares e de um casario meio arcaico, meio moderno, que pode ser de uma cidade do interior de Minas, da Lapa carioca ou do Pelourinho.

Obama profere sua célebre frase, endereçada a Lula ("this is may man"), que neste contexto adiquire uma conotação maliciosa. O título da charge (O MUNDO É UM PANDEIRO), faz referência ao título de uma chanchada da década de 40, protagonizada por Oscarito: ESTE MUNDO É UM PANDEIRO. Enfim, no palco e na dança da política internacional, talvez seja Obama quem bata e faça vibrar o pandeiro, que é este mundo, mas o show, a graça e o gingado ficam por conta de Lula.

14 de dez. de 2009

PÉ NO SACRO


Nestas últimas quatro semanas estive envolvido com situações que me afastaram um pouco do desenho e, por conseqüência, do blog. Aos poucos as coisas vão entrando nos eixos. Assim, enquanto não termino a charge em que estou trabalhando, sobre Lula e Obama, vou postar aqui este desenho feito em janeiro de 2007 e pelo qual tenho um carinho especial.

Ele foi exposto, ainda no ano de 2007, em uma coletiva organizada pelo artista plástico Tadeu Mattoso no Espaço Mascarenhas. O tema comum era religiosidade. Gostei bastante da reação do público na noite de abertura. Foi nessa época que eu comecei a levar mais a sério este lance de desenho.

Acabei desenvolvendo uma série de outras imagens com temas sacrílegos, que juntas constituem o projeto de um novo livro, chamado PÉ NO SACRO. Não sei quando ele estará finalizado. Por enquanto vou mostrando aqui alguns desenhos da série.

Sempre tive vontade de criar uma versão da Santa Ceia. Aí está. O Cristo cadavérico está suspenso sobre a mesa de um bar. Seu sangue verte das chagas e enche os copos dos boêmios que conversam, gesticulam, bebem e fumam animadamente.

Três vivas a Da Vinci, Tintoretto e Buñuel, autores das melhores interpretações que conheço deste grande tema bíblico.