15 de dez. de 2009

O MUNDO É UM PANDEIRO


A crise econômica e outros epsódios deste ano me renderam uma série de idéias para charges. Algumas foram realizadas e postadas aqui, nos últimos meses. Outras ficaram apenas no esboço, devido a outros projetos e prioridades acumuladas. Pretendo finaliza-las até 31 de dezembro e talvez transforme o conjunto deste trabalho numa exposição, para o início de 2010. O título provisório é O MUNDO É UM PANDEIRO (ou 2009: O ANO EM QUE O MUNDO ACABOU E NÓS NÃO PERCEBEMOS).

Desde que Obama disse que o Lula "é o cara", durante a cúpula do G20 em Londres, comecei a achar que os dois formam uma espécie de dupla dinâmica da política internacional. Obama não se limitou a dizer "este é o cara". Completou ainda: "Eu adoro este cara. É o político mais popular do planeta. É porque ele é boa pinta". Isso é quase uma declaração de amor. Mas um amigo meu, que entende bem o inglês, disse que o melhor sentido para a frase de Obama, "this is my man" (cuja a tradução literal é "este é meu homem"! Hummmm... ), não seria bem "este é o cara", mas sim "este é meu chapa (meu parceiro, meu chegado, etc...)".

Pensei inicialmente em desenhar Obama como Batman e Lula como Robin, para acompanhar a interpretação do meu amigo de que a frase de Obama seria "este é meu chapa". Mas acredito que aquele momento de crise, em que dois heróis americanos clássicos seriam bem vindos, era também um momento de celebração. Afinal, temos agora no protagonismo da política internacional, um operário e um negro, algo inimaginável a anos atrás.

Optei então por criar uma cena mais brasileira e carnavalesca. Lembrei logo de Carmem e Aurora Miranda, acompanhadas do Bando da Lua, um conjunto musical de rapazes com trajes de malandro carioca. Numa das cenas do filme VOCÊ JÁ FOI A BAHIA ?, de Walt Disney, Aurora Miranda e o Bando da Lua contracenam com Zé Carioca e Pato Donald, ao som de uma música chamada OS QUINDINS DE IÁ IÁ. O filme fazia parte dos esforços do governo americano de estreitar os vínculos com a América Latina,a partir da década de 30. Carmem Miranda viria a se tornar uma das atrizes mais populares de Hollywood, a partir da década de 40.

Assim, optei por retratar Obama como um dos integrantes do Bando da Lua, tocando pandeiro, e Lula como Carmem Miranda, numa referência às primeiras aproximações entre a indústria cultural americana e a cultura popular brasileira. Os trajes de Lula não seguem a risca a exuberância dos vestidos e "balangandãs" de Carmem Miranda, mas lembram a maneira como os homens se vestem de mulher no carnaval para brincar nos blocos de rua. Aliás, será que Lula, tão popular, já bricou vestido de mulher no carnaval ? O figurino de Obama é o mesmo usado pelos rapazes do Bando da Lua no filme VOCÊ JÀ FOI A BAHIA.

O cenário também remete ao filme, além de se inspirar nos traços usados por Di Cavalcanti para retratar alguns ambientes em seus quadros. Estamos ali numa estreita rua de paralelepípedos cercada de bares e de um casario meio arcaico, meio moderno, que pode ser de uma cidade do interior de Minas, da Lapa carioca ou do Pelourinho.

Obama profere sua célebre frase, endereçada a Lula ("this is may man"), que neste contexto adiquire uma conotação maliciosa. O título da charge (O MUNDO É UM PANDEIRO), faz referência ao título de uma chanchada da década de 40, protagonizada por Oscarito: ESTE MUNDO É UM PANDEIRO. Enfim, no palco e na dança da política internacional, talvez seja Obama quem bata e faça vibrar o pandeiro, que é este mundo, mas o show, a graça e o gingado ficam por conta de Lula.

14 de dez. de 2009

PÉ NO SACRO


Nestas últimas quatro semanas estive envolvido com situações que me afastaram um pouco do desenho e, por conseqüência, do blog. Aos poucos as coisas vão entrando nos eixos. Assim, enquanto não termino a charge em que estou trabalhando, sobre Lula e Obama, vou postar aqui este desenho feito em janeiro de 2007 e pelo qual tenho um carinho especial.

Ele foi exposto, ainda no ano de 2007, em uma coletiva organizada pelo artista plástico Tadeu Mattoso no Espaço Mascarenhas. O tema comum era religiosidade. Gostei bastante da reação do público na noite de abertura. Foi nessa época que eu comecei a levar mais a sério este lance de desenho.

Acabei desenvolvendo uma série de outras imagens com temas sacrílegos, que juntas constituem o projeto de um novo livro, chamado PÉ NO SACRO. Não sei quando ele estará finalizado. Por enquanto vou mostrando aqui alguns desenhos da série.

Sempre tive vontade de criar uma versão da Santa Ceia. Aí está. O Cristo cadavérico está suspenso sobre a mesa de um bar. Seu sangue verte das chagas e enche os copos dos boêmios que conversam, gesticulam, bebem e fumam animadamente.

Três vivas a Da Vinci, Tintoretto e Buñuel, autores das melhores interpretações que conheço deste grande tema bíblico.

10 de nov. de 2009

Arquivo 4



Este boêmio já um tanto embriagado junto ao balcão de um bar, parece defender de forma exaltada e eloqüênte alguma de suas opiniões políticas ou futebolísticas. Poderia também ser a defesa de uma idéia filosófica ou sobre a qualidade artística deste ou daquele músico, deste ou daquele escritor ou cineasta. É uma imagem freqüente, que já presenciei inúmeras vezes pelos botequins em que costumo estar. Fiz este desenho de forma meio automática, sem pensar num assunto específico. A imagem assim se impôs. Foi em março de 2002. Está aí. Depois fiquei achando que a figura lembra um pouco o meu professor e amigo Gilberto Vasconcelos, que já não vejo a um bom tempo, mas com quem já bebi litros e litros de cerveja pelas noites de JF.

28 de out. de 2009

A fuga das partes baixas


Tenho o projeto de uma série de desenhos com temas absurdos, ainda sem título. São imagens que me assaltam repentinamente sem nehuma motivação ou lógica aparente. Semana passada me apareceu essa aí. Lembrei de repente daquele velho truque de mágica em que a pessoa é serrada ao meio e me ocorreu a questão: e se as partes baixas, uma vez separadas do resto do corpo, dessem no pé, proclamando sua liberdade em relação aos mandamentos da razão mais alta ? Vai saber...

22 de out. de 2009

ARQUIVO 3 - A musa da mutrópole


Resgatei mais essa do meu arquivo. O desenho é de 1996. Há 13 anos (note o papel já amarelado) eu estava na faculdade de comunicação com 22 ou 23 aninhos. Pensei nas conversas que tínhamos nos botecos, especialmente no Bar 620, a respeito de Juiz de Fora, e fiz esta mulher com cabeça de vaca.

Achávamos que a cidade era meio roça, meio metrópole. Ficávamos exasperados com o provincianismo e o conservadorismo que predominavam e ainda predominam na cultura local, apesar do tamanho da cidade e de sua vida econômica. O amigo Leo Ribeiro, que na época era estudante de arquitetura e hoje é cineasta de animação, inventou este termo, "mutrópole", fazendo uma fusão do mugido de uma vaca (mu) com o termo "metrópole".


Pensávamos em fazer o movimento "mutrópole", nos moldes do movimento "manguebeate" pernanbucano, refletindo de forma crítica a identidade de Juiz de Fora. A banda de pop rock Boa Pergunta chegou a compor uma música com letra do Leo Ribeiro, falando do tema. Fiz uns vídeos experimentais que fundiam imagens e personagens da roça com imagens do cotidiano da grande cidade.


O Leo fez a maquete de um prédio em forma de vaca para uma disciplina da faculdade. Neste edifício, as pessoas entrariam pela boca e sairiam pelo fiofó do bicho. Ao meio dia, um longo mugido avisaria aos cidadão sobre a hora do almoço, substituindo a extinta sirene do relógio do Parque Halfeld. Se não me engano, o professor do Leo esculhambou o projeto. Quanta incomprensão!


Imaginei que este meu desenho, a musa da "mutrópole", poderia ser publicado no fanzine BatMacunba, do hoje jornalista Fabiano Moreira, que se empolgou com a nossa idéia. Mas o movimento nunca saiu das mesas do Bar 620 e eu acabei desistindo de publicar o desenho, por pura insegurança e vergonha. Ficou a lembrança e a saudade de uma época em que nos indignávamos com a mesmice e queríamos, de alguma forma, ter atitudes provocativas.




19 de out. de 2009

O IMPERADOR DE PASÁRGADA


Meu livro agora está também disponível nas livrarias LEITURA (Av. Rio Branco, em frente ao Parque Halfeld) e LIBERDADE (Rua Santa Rita, quase esquina com a Rio Branco).


Só para lembrar, você pode encontrá-lo também nas livrarias TERCEIRA MARGEM (Galeria Pio X, segundo piso), PLANET MUSIC (Av. Indenpendência, quase esquina com a Rua Santo Antônio), PEDRO II (na "galeria dos sebos", próximo ao Parque Halfeld) ou no ESPAÇO MEZCLA (Rua Benjamin Constant, próximo ao MUSEU Murilo Mendes).

9 de out. de 2009

DE VOLTA AO LÁPIS DE COR 2


Há dias postei aqui uma caricatura da Hebe Camargo baseada numa foto que vi na revista Isto é. Na mesma foto, ao lado da Hebe, estava o Roberto Carlos. Fiz uma caricatura dele também, em separado. Aí está. Depois vou juntar os dois e incluir um fundo. Talvez isso vire uma série: Estas celebridades fantásticas e seus semblantes maravilhosos (paráfrase do título daquele filme: Estes homens maravilhosos e suas máquinas voadoras).

7 de out. de 2009

O PQUENO DITADOR 2

Passei duas semanas com alguns probleminhas pessoais e familiares, por isso abandonei um pouco o blog. Mas aí vai a segunda tirinha do Pequeno Ditador. Em breve (espero, rsrs) mais novidades.

25 de set. de 2009

O PEQUENO DITADOR 1


Esta semana os noticiários foram dominados pela crise política em Honduras. Pensando em produzir algo sobre o assunto, me lembrei de um personagem que criei quando eu ainda era adolescente (com 14 ou 15 anos): um ditador nanico, cujo bigode era quase maior que ele mesmo.


Isso foi em 1986 ou 1987. Era o fim da ditadura militar no Brasil e o personagem não passou desta primeira idéia, talvez por que já não fizesse sentido refletir sobre uma ditadura recém terminada. Mas observando o que se passa hoje em vários países da América Latina e outras partes do mundo, achei que o meu ditador nanico poderia ter algo a dizer. Acabei percebendo que o personagem poderia ser uma mistura de Hugo Chavez, Zelaya, Morales, Corrêa, Ahmadinejad, Kadafi, etc...


Criei ontem mesmo uma série de situações para o Pequeno Ditador, que pretendo publicar diariamente aqui, a patir de hoje. Aí está a primeira.




22 de set. de 2009

MIRAGENS, um primeiro exercício em desenho animado

Clique AQUI para ver o vídeo.



Fiz este desenho animado em 2006 e o exibi em algumas mostras de vídeo e cinema. Era uma tentativa de unir as duas linguagens com as quais tenho trabalhado: o audiovisual e o desenho. Deu tanto trabalho que até hoje não tive coragem de encarar até o fim outro projeto desses, embora tenha dois roteiros prontos e um filme com algumas cenas já animadas sem arte final.



Gosto muito da atmosfera surreal das situações do filme. Imaginei um escravo romano em fuga por um deserto, algumas décadas antes do nascimento de Cristo. No limite de suas forças, ele começa a ter alucinações. Os objetos de seu desejo evoluem dos instintos mais fundamentais até o nível da espritualidade. Primeiro a água, que mataria sua sede. Depois um porco assado, que mataria sua fome. Logo depois, a diversão e o sexo: um barril de vinho seguido de uma mulata nua, que samba para ele de maneira insinuante. Um piano, um automóvel, uma TV... objetos de consumo contemporâneos e estranhos a ele, o que o deixa confuso. Em seguida, uma impassível, solene e perversa santíssima trindade, que não se contem e cai na gargalhada, escarnecendo sobre o trágico destino humano. Enfim, o encontro consigo e a irônica constatação de que ele não passava de uma miragem de si mesmo.



Nos catálogos das mostras em que o filme foi exibido, havia um subtítulo que resume de forma bem direta a idéia: Do animal ao nada.



O arquivo enviado para o youtube está muito precário e a qualidade da imagem está muito aquém do original. Estou tentando uma outra forma de compressão que garanta um resultado melhor, mas meu pen drive queimou e estou sem internet em casa. Talvez demore um pouco... Se alguém tiver alguma dica de como melhorar a coisa, mande um comentário. Por increça que parível, sou novo neste negócio de postar arquivos de vídeo na net.

10 de set. de 2009

De volta ao lápis de cor


Estava sem inspiração no feriadão. Quando isso acontece, procuro uma revista qualquer e desenho algo inspirado em qualquer foto que me chame a atenção. Abri uma "ISTO É" e me surpreendi com uma foto da Hebe Camargo, com aquela sua contagiante e escandolosa risada. Taí a caricatura dela, que fiz logo em seguida.


Resolvi colorir com lápis de cor, para me afastar um pouco do photoshop. Putz !! Tinha me esquecido a trabalheira que isso dá. Mas a curtição na execução do trabalho também é iutra. Compensa o tempo gasto e o cansaço na munheca.

8 de set. de 2009

Mudança do nome do blog

Aviso aos amigos e visitantes que o blog passa a se chamar PENA JACA. É um trocadilho infame com a expressão "pé na jaca", usando a palavra "pena", que se refere a pena que era usada para escrever ou desenhar em outras épocas. Portanto, a partir do próximo dia 18 (sexta-feira da próxima semana) o endereço do blog passa a ser penajaca3.blogspot.com

Divulgação do livro O IMPERADOR DE PASÁRGADA

Lembro aos amigos e visitantes do blog que meu livro O IMPERADOR DE PASÁRGADA pode ser encontrado em Juiz de Fora nas livrarias PLANET MUSIC (na Av. Independência) , TERCEIRA MARGEM (2º piso da Galeria Pio X), PEDRO II (Av. Rio Branco, na galeria dos "sebos", quase em frente ao Parque Halfeld) e agora também no ESPAÇO MEZCLA (o bar do amigo Marcos Marinho, na Rua Benjamin Constant, ao lado MAMM). Ou diratamente comigo, pelo e-mail rogerioterrajr@ig.com.br

5 de set. de 2009

ARQUIVO 2


Outro desenho de 2003 (do mês de janeiro) que me instiga pela economia do traço e pelo equilíbrio das formas, embora dele eu não extraia nenhum sentido evidente.


Para onde marcha este sujeito resoluto e de queicho erguido ? Ou estaria simplesmente se preparando para arrombar uma porta ? Ou desafia alguém, de punhos cerrados, para uma briga ?


Interessante a observação do amigo Cacinho (do blog ANIMAÇÕES) sobre o desenho anterior, e que serve também para este aqui. A figura ocupa quase toda a extensão do papel, transferindo o resto da ação para fora do campo (o que no cinema chamamos de "extracampo") e portanto para a imaginação de quem vê.


Mas tudo isso aconteceu no desenho de forma involuntária. Artimanhas do inconsciente.

3 de set. de 2009

ARQUIVO 1

Desenho quase diariamente desde os 10 anos de idade, mas só recentemente comecei a estudar e a desenvolver o traço com mais critério. A maioria destes desenhos que fiz de forma meio automática durante estes mais de 20 anos, são traços e borrões que funcionaram mais como expressão e catarse do que como um trabalho ou processo de criação deliberado. Acredito pois, embora possa estar enganado, que tais desenhos não despertariam grande interesse em outras pessoas. Dizem respeito somente a mim e a meus dramas e alegrias cotidianas.

Porém, eventualmente, eu mesmo me surpreendia com o resultado de algumas destas imagens, e costumava dizer a mim mesmo: este desenho eu publicaria de alguma forma, se dispuzesse de meios para isso. Eram momentos em que, mesmo de forma meio aleatória, eu acertava no traço. Pois bem, já que agora a internet nos permite publicar tudo, ou quase tudo, que achamos por bem mostrar às pessoas, vou postar aqui alguns destes velhos desenhos.

Este foi feito em agosto de 2003. O cara está num botequim ? Numa sala de aula ? Numa mesa de jantar ? É um auto-retrato involuntário (embora eu não fume, não seja tão magro e não tenha este narizinho delicado) ?? Oque ele observa a sua frente através da fumaça do cigarro, com este olhar entre irônico e malicioso ? Não faço a menor idéia. São perguntas que me faço e para as quais não tenho e nem pretendo ter respostas. Quem quiser e puder, que complete a cena da maneira que achar mais conveniente a seus próprios devaneios.

25 de ago. de 2009

A fase anal do Senado Federal

Não quero baixar o nível do blog, mas é preciso acompanhar e fazer juz aos fatos, tal qual eles se apresentam.

Não sou especialista em psicanálise, mas sei que Freud descreveu uma das fases do desenvolvimento da criança, ali pelos três ou quatro anos, em que existe um interesse particular dos pimpolhos pelas fezes ou pelo ato de evacuar.

Nas duas semanas anteriores, às quais já me referi na charge O SONO DA RAZÃO PRODUZ MONSTROS, o Senado Federal parece ter entrado numa espécie de "fase anal tardia". Durante vários dias, alguns senadores proferiram diversas frases, comentários ou insultos pessoais em torno do tema. Quase não acreditei. Era enfim a lama absoluta (ou sabe-se lá qual outra substãncia fétida e molenga) . Parece, entretanto e infelizmente, que o fim deste poço está ainda longe de ser atingido.

Imaginei um debate em plenário onde estariam vasos sanitários que repetem as tais frases, uns para os outros. Vocês podem não acreditar, mas transcrevo aqui as frases de forma quase literal (sem alteração substancial de conteúdo), da maneira como as li ou ouvi na imprensa ! Ao fundo da cena, Lula está sentado tranqüilamente em seu troninho, "obrando". Afinal de contas, em última instância, toda essa confusão acaba sendo "obra" dele mesmo.

17 de ago. de 2009

O sono da razão produz monstros


Nas duas últimas semanas a tal crise do Senado deixou o país perplexo. Pelo menos era o que se lia nos jornais e o que se falava nos botecos. Já que leio jornais e freqüento botecos diariamente, não pude conter o desejo de comentar o caso.


Meninos, eu vi e vivenciei os seis anos de Sarney, com inflação de quase 80% ao mês! Meninos, eu vi Collor derrotar Lula numa campanha em que a opinião pública foi escandalosamente iludida. Eu vi o confisco da poupança. Eu fui às ruas para pedir o impichement do Collor e comemorei sua queda. Eu sonhei com Lula na presidência em 94, em 98 e vibrei em 2002, quando ele finalmente chegou lá.


Por mais que eu entenda que a prática política tenha que envolver acordos nem sempre coerentes, que seja necessário e difícil manter a governabilidade neste país tão viciado em práticas escusas, por mais que eu tente entender, não dá pra assistir o Lula usando sua popularidade e sua influência nos bastidores para sustentar o Sarney no poder, junto com o Collor, o Renan e outras figuras do gênero. Não sou analista político, mas concordo com esta avaliação feita por alguns articulistas.


Inicialmente pensei em criar uma charge que descrevesse o "show de horrores do Dr. Lula", uma imagem que mostrasse um circo dantesco de figuras sinistras, criadas e comandadas por um mestre de cerimônias com a pinta daqueles cientistas malucos do cinema de terror. Talvez ainda faça esta charge, mas preferi desenvolver uma antiga idéia que me pareceu mais precisa e adequada ao momento.


Resgatei então uma imagem que admiro muito: a gravura O sono da razão produz monstros, feita no século XVIII pelo artista espanhol Francisco Goya. Na imagem de Goya, vemos um artista que dorme sobre sua mesa de trabalho, rodeado por vários seres monstruosos: corujas, morcegos gigantes e um gato de olhar estatelado e estado de prontidão.


Nesta charge, recrio a imagem usando uma configuração parecida com a original. Aqui, Lula dorme tranquilo e sorridente sobre sua mesa, enquanto a sua volta surgem das sombras noturnas as tais figuras sinistras: Sarney, Collor e Renan. O fim da razoabilidade e da coerência que marcavam o ideário defendido por Lula e pelo PT durante décadas, e que tanto nos motivou
a continuar acreditando na boa política, apesar de tudo, permite que estes homens ressurjam magníficos, ameaçadores e poderosos, de um passado que esperávamos já estar superado. Doce inocência.

10 de ago. de 2009

Divulgação do livro O IMPERADOR DE PASÁRGADA

Quero agradecer de coração a presença dos amigos no lançamento do meu livro O IMPERADOR DE PASÁRGADA.

Para quem não pôde comparecer, mas quer conhecer o trabalho, o livro pode ser encontrado na livraria PLANET MUSIC (Av. Independência, quase esquina com Santo Antônio), na livraria PEDRO II (Av. Rio Branco, na galeria logo depois da Rua Marechal Deodoro), na livraria TERCEIRA MARGEM (Rua Halfeld, Galeria PIO X, 2º piso) ou diretamente comigo (pelo celular 9135 3655). Em breve ele estará também em outras livrarias. Um abraço a todos. Rogério.

Sobre O IMPERADOR DE PASÁRGADA


O livro O IMPERADOR DE PASÁRGADA reúne uma série de desenhos e textos produzidos em 2008, que compõem uma fábula sobre as relações de poder, a opressão das consciências, a ascenção e a queda de um imperador tirano na mítica cidade de Pasárgada.

Em época de crises políticas constantes, seja no senado brasileiro, em Honduras ou no Irã (onde ironicamente ficava situado o antigo Império Persa, cuja capital era a cidade de Pasárgada), esta historinha de caráter universal, que se repete em tantas épocas e lugares distintos, pode estimular algumas reflexões interessantes.

A REDE DE MANIPULAÇÕES


Uma das ilustrações do livro OIMPERADOR DE PASÁRGADA

O TEMPO DAS NUVENS NEGRAS E DAS BRANCAS NUVENS


Uma das ilustrações do livro O IMPERADOR DE PASÁRGADA

O ESPANTALHO DOS MILHÕES


Uma das ilustrações do livro O IMPERADOR DE PASÁRGADA

4 de ago. de 2009

Peter Pan aos noventa anos

Outro dia eu conversava on-line com um ex-aluno. A certa altura da conversa, eu disse a ele que sou absolutamente incompetente para relacionamentos amorosos de longo prazo. Ele me disse: "Você é um eterno adolescente. Se eu fosse desenhista, desenhava você em neverland".
Neverland é a terra do nunca, da história de Peter Pan, lugar onde as crianças nunca crescem. Eu respondi: "Sou mesmo. Mas ainda me acerto com alguém, nem que seja aos noventa anos, com uma daquelas enfermeiras gostosonas, contratada para cuidar de mim." Imediatamente me imaginei com noventa anos, vestido de Peter Pan, ao lado de uma enfermeira com a cara da Wandy, aquela garota que o Peter Pan leva pra "brincar" na terra do nunca.

Desenhei a roupa do Peter Pan e a cara da Wandy inspirado no desenho animado da Disney. Tentei imaginar como eu estaria com noventa anos de idade: o nariz e as orelhas maiores e o rosto muito enrrugado. Talvez esteja também um pouco mais gordo. Sei lá...
O cenário foi feito a partir de uma foto que tirei a alguns meses em Chácara, cidade onde passei minha infância e pré-adolescência. Fui la´visitar meu sobrinho recém nascido e passei em frente a este bar, que hoje está fechado, com aquela placa da Coca-cola quase caindo e a vidraça da janela quebrada. Ali era o forró do Jair, que funcionava nos finais de semana, sendo rara a ocasião em que a madrugada não terminava em homéricas pancadarias, com tiros e facadas.
Chácara é a minha terra do nunca, e talvez algum dia, já crescidinho, eu volte para lá, para não crescer mais.






23 de jul. de 2009

A posse de Obama


Fiz este desenho na ocasião da posse de Barack Obama na presidência dos EUA, em janeiro deste ano. A inspiração inicial veio de uma frase dita pelo comediante Jamie Foxx, durante um dos bailes realizados após a cerimônia de posse. Ao ver Obama dançando com a primeira dama, Foxx teria afirmado:"Eu podia dizer que era um presidente negro, pela forma como ele se movia". A frase parece reforçar a existência deste mito, de que os afrodescendentes possuem um talento natural para a dança e para os ritmos. Questionável, mas talvez tenha fundamento.



Lembrei imediatamente de uma frase de Paulo Francis, dita na TV a muitos anos, quando Michael Jackson começava a impressionar o mundo com seu processo evidente de branqueamento gradual. A frase era mais ou menos assim: "Michael Jackson é hoje a mulata mais graciosa da América desde Lena Horne". Na época eu era criança, mas já achei engraçadíssima esta frase. Só para esclarecer, Lena Horne é uma cantora e atriz norte-americana que fez muito sucesso nas décadas de 40 e 50.




Caso Paulo Francis ainda estivesse vivo, ao ouvir a frase de Jamie Foxx, talvez fosse levado a rever sua afirmação e dissesse: "Obama é hoje a mulata mais graciosa da América desde Michael Jackson." Obama superou Michael, que, por sua vez, já havia superado a Lena. E assim vai dançando a humanidade pelos bailes da vida, da arte e da política.


O cenário e a postura de Obama no desenho são inspirados em uma foto de Evandro Teixeira, que mostra a atriz Zezé Mota sobre um carro alegórico de escola de samba. A foto foi utilizada por ele para traduzir em imagem a música "A tua presença morena", no projeto "A imagem do som", em que artistas plásticos de diversas áreas foram convidados a criar imagens inspiradas nas músicas de Caetano Veloso.




14 de jul. de 2009

O Papa na África

Essa charge veio com muito atraso, pois tive que interromper o trabalho com ela para terminar a dissertação de mestrado e fazer os desenhos para a exposição do Marquinho Pimentel, além de homenagiar o Michael Jackson. Mas nasceu... E de qualquer forma, o fato passou, mas o tema continua polêmico.

A AIDS na África é um problema particularmente grave, todos sabemos. Em março deste ano o Papa esteve naquele continente e, na viagem em direção a Camarões, em entrevista a jornalistas, defendeu que os fiéis abandonassem o uso de camisinha e optassem pela castidade, pela abstinência e pela fidelidade no matrimônio, como formas de se evitar a AIDS. Será que alguém deu ouvidos ? Se todos por lá conseguirem ser castos, abstêmios e fiéis ao mesmo tempo, o que acho pouco provável, a estratégia pode dar certo. Caso contrário, segundo especialistas em saúde, o negócio pode complicar.

Sempre achei que o Papa tem uma certa semelhança física com o nosso saudoso Chacrinha. Não pude deixar de lembrar daquela marchinha do Velho Guerreiro, um verdadeiro serviço de utilidade pública que deveria ter sido encampado pelo ministério da saúde: "Bota a camisinha, bota meu amor. Hoje tá chovendo, não vai fazer calor." Imaginei o Papa, com a cartola na cabeça e o telefone na barriga, a moda de Chacrinha, pregando o contrário para os africanos: "Tira a camisinha, tira meu amor. Hoje não tá chovendo, e vai fazer calor."

O Papa chegou a ser acusado de estar propagando formas medievais de compreensão do mundo. Injustiça com ele ? Não sei. Por via das dúvidas, abandonei a idéia de desenhar o sumo pontífice banhado pelo escaldante sol africano e preferi desenhá-lo sobre o cenário da pintura medieval de um Cristo Pantocrator, hoje exposto no Museu de Arte da Catalunha, que possui um dos maiores acervos de pinturas medievais da Europa. Retirei a figura do Cristo e inseri o Papa, com os adereços do Chacrinha. Os traços das mãos, dos pés e da batina branca, reproduzem também os traços característicos da figura do Cristo original existente na pintura. Ou seja, já que o "meio é a mensagem", como diria Mc Luhan, nada melhor do que um estilo medieval, para expressar idéias medievais.

9 de jul. de 2009

Maicounaíma

Resolvi fazer essa homenagem a Michael Jackson. É curioso o fato de que um de seus últimos trabalhos tenha sido feito no Brasil, com cenas no pelourinho, na favela da rocinha e percussão do Olodum. Imaginei que talvez ele já tivesse lido o livro Macunaíma, de Mário de Andrade, pois o personagem título, que no início do livro é negro, toma banho numa poça de água mágica e fica branco.

Criei assim este título, Maicounaíma, que combina a sonoridade do nome Michael (maicou) e o nome do herói brasileiro, Macunaíma. No cinema, o Macunaíma negro foi interpretado por Grande Otelo e o Macunaíma embranquecido, por Paulo José. No alto da charge, ao lado do título, coloquei o trecho do livro que narra a transformação.
Sobre um palco de teatro, vemos, da esquerda para a direita, Michael dançando em três fases diferentes. Enquanto dança, ele se trasforma e fica branco. Primeiro, seu visual na década de 70, ainda no Jackson Five, com aquela cabeleira Black Power e figurino em cores extravagantes. Depois, sua fase mais próxima de obras como Triller e Billy Jeans, na década de 80, já com o nariz e os lábios mais finos, o cabelo engomado, aquele figurino escuro com luvas brancas brilhantes e o passinho do moonwalk. E finalmente, nos últimos anos, já completamente branco, de cabelos lisos, em pose que lembra suas perfórmances nos clipes Black or White e They don’t care about us.

Despedindo-se do público, ele canta o samba enredo da Portela, de 1975, que usou Macunaíma como tema. Neste refrão, o herói se despede da terra, sobe aos céus como seus antepassados e vira constelação, segundo reza a mitologia indígena brasileira. Para reforçar a atmosfera carnavalesca e tropicalista, utilizei como fundo da charge uma recriação do cenário da peça O Rei da Vela (escrita por Oswald de Andrade e dirigida por José Celso Martinêz Corrêa na década de 60) feito por Hélio Eichbauer e utilizado por Caetano Veloso para ilustrar a capa de seu disco Estrangeiro, de 1989.

Por fim, acabei constatando, durante o trabalho, que o fato de Michael ter afinado o nariz, alisado o cabelo, clareado a pele e se exposto dessa forma, talvez tenha sido a maior e definitiva obra de body art do final século XX.

25 de jun. de 2009

Exposição de lançamento do filme ARQUITETURA DO CORPO, de Marcos Pimentel

O Marquinho Pimentel está lançando seu novo filme Arquitetura do Corpo, este final de semana, em Juiz de Fora. Paralelo ao lançamento do filme e ao Festival de Dança, promovido pela FUNALFA, haverá uma exposição de fotos, esculturas, vídeos e desenhos, tendo a dança e o corpo como temas comuns. A abertura da exposição será domingo, dia 28/06, às 19:00, no Espaço Mascarenhas. O filme será exibido no Cine Palace, às 20:30, no mesmo dia. Os trabalhos permanecem no Mascarenhas, para visitação, até 12/07. Participo da exposição, a convite do Marquinho, com estes quatro desenhos que estou publicando aqui. Junto aos desenhos, segue um texto que preparei, falando do processo de criação dos trabalhos.

Desenhos para a exposição ARQUITETURA DO CORPO

A meses atrás mostrei ao Marquinho a boneca de um livro onde eu reunia uma série de charges e ilustrações que eu fizera durante o ano de 2008. Marquinho parece ter gostado dos desenhos e me convidou para participar dessa exposição, convite que, além de uma grande honra, tornou-se também um desafio.
Imediatamente me lembrei de um desenho que fiz a mais de dois anos, sem compromisso algum: uma bailarina que se equilibra, suspensa no ar, sobre um tênue jato d’água. Era um mero devaneio, um “capricho”, como diria Goya, mas a imagem me pareceu, no mínimo, simpática.

Refletindo sobre o significado deste desenho, além da evidente descrição de um passo de balé, cheguei a conclusão que, mais do que de dança, a imagem falava sobre leveza.
Pensando em outras imagens que poderiam compor, com esta primeira, a exposição, não cheguei a imaginar nada que me estimulasse o suficiente. Abandonei a idéia inicial de falar sobre leveza e passei a pensar o seguinte: assim como existe música em todos os sons, mesmo no ronco gutural do motor de um carro, também não seriam nossos movimentos cotidianos formas insuspeitas de um balé prosaico, por vezes sutil e contido, por vezes manifesto em arroubos de gesticulações furiosas ou felizes ?
Daí resolvi desenhar movimentos e gestos que não estivessem diretamente ligados ao balé e a dança, movimentos que simplesmente evidenciassem um balé oculto em gestos diversos. Imediatamente pensei nas bicicletas acrobáticas de Pelé, nos gestos alucinados, grotescos e cortantes de Hitler a discursar em êxtase, nos passos gigantescos e cambaleantes de Armstrong ao andar sobre o solo lunar. Falaria então de dança e expressão corporal, sem desenhar a dança ou o balé, mas fazendo o que mais gosto: dialogar com imagens emblemáticas e consagradas, patrimônios de nosso imaginário coletivo.
Terminando o trabalho, eis que descubro uma artimanha do meu inconsciente: falando da dança oculta em gestos diversos, continuei, sem perceber, a falar também em peso e leveza.

Hitler é física e moralmente pesado. Está plantado no chão, preso à terra. Não é capaz de nenhuma transcendência redentora e dirige um olhar furioso aos céus, enquanto se contorce, como a reclamar aos deuses de sua infeliz missão neste mundo. A águia nazista zomba de seu líder, com um malicioso sorriso.












Pelé se atira aos ares, ergue-se a mais de um metro do chão, num esforço heróico para vencer a gravidade implacável. E, por segundos, imortalizados em diversas fotos, parece voar.
















Armstrong flutua, na ausência quase total de gravidade, num momento mágico, que fez a humanidade desejar esta suprema leveza.















Imaginem uma bicicleta de Pelé na lua ! Imaginem Hitler num campo de futebol, tentando fazer, entre desconcertado e constrangido, os meros movimentos de uma singela embaixadinha. Ou Armstrong a falar, com seus gestos elegantes, em cima daquele púlpito cinza de concreto, para uma perplexa audiência nazista, sobre a experiência de se estar literalmente no mundo da lua. Talvez estes sejam excelentes temas para próximos desenhos.

19 de jun. de 2009

Salão de Humor

As charges O Bispo Maluquinho e Amy de Ataíde participaram neste mês de junho da exposição do 1º Salão de Humor de Juiz de Fora, no Espaço Mascarenhas. Aproveito a ocasião para parabenizar a FUNALFA pela iniciativa, apesar da crise e da situação financeira da prefeitura. Uma prova de que cultura não se faz exclusivamente com vultuosas somas de dinheiro, mas também com vontade e criatividade.

24 de mar. de 2009

O Bispo Maluquinho


Percebi estes dias que meus últimos desenhos estão dialogando com imagens que já existem. A pintura de Ataíde com Amy Winehouse foi apenas o primeiro de uma série de desenhos com este perfil. Hoje finalizei esta nova charge na qual dialogo com a imagem clássica da capa do primeiro livro do Menino Maluquinho, em que ele aparece vestido de Napoleão com uma panela na cabeça. Aqui desenhei um religioso (um bispo?) na mesma pose. Ele imagina dois fetos como se fossem anjinnhos. No lugar da panela convencional de alumínio, achei melhor que houvesse um tacho de bronze, daqueles usados para se fazer doces na roça. O bronze é metal mais precioso, portanto mais adequado a cabeças eminentes.

3 de fev. de 2009

Amy de Ataíde




Concluí ontem esta charge que mostra Amy Winehouse em cenário inspirado na obra do Mestre Ataíde que ornamenta o teto da Igreja de São Francisco em Ouro Preto. Ela está no lugar da Virgem Maria e vem acompanhada de quatro anjinhos negros, inspirados em fotos de meninos de rua do Brasil. É uma forma de redimir a minha Diva maior, colocando-a nas alturas (se não me engano a obra de Ataíde se chama "Ascenção da Virgem") no momento em que ela chafurda na lama e parece descer aos infernos.






Os anjinhos negros, além de trazê-la para mais próximo do Brasil, fazem referência também aos dançarinos que acompanham Amy em seus shows. Os movimentos da dança que executam são uma mistura dos passos destes dançarinos no palco com a ginga da capoeira brasileira.






Confesso que a caricatura da Amy a deixou com cara de princesa da Disney. Mas foi uma escolha deliberada. Não a quero desdentada e cadavérica, mas sorridente e sedutora, ainda que bêbada, como em seus melhores momentos. Além do mais, dei risadas quando percebi, ao final do trabalho, que a imagem lembra a cena em que Branca de Neve dança com os sete anões no filme da Disney que foi uma das fixações da minha infância... Artimanhas do inconsciente.