23 de jul. de 2009

A posse de Obama


Fiz este desenho na ocasião da posse de Barack Obama na presidência dos EUA, em janeiro deste ano. A inspiração inicial veio de uma frase dita pelo comediante Jamie Foxx, durante um dos bailes realizados após a cerimônia de posse. Ao ver Obama dançando com a primeira dama, Foxx teria afirmado:"Eu podia dizer que era um presidente negro, pela forma como ele se movia". A frase parece reforçar a existência deste mito, de que os afrodescendentes possuem um talento natural para a dança e para os ritmos. Questionável, mas talvez tenha fundamento.



Lembrei imediatamente de uma frase de Paulo Francis, dita na TV a muitos anos, quando Michael Jackson começava a impressionar o mundo com seu processo evidente de branqueamento gradual. A frase era mais ou menos assim: "Michael Jackson é hoje a mulata mais graciosa da América desde Lena Horne". Na época eu era criança, mas já achei engraçadíssima esta frase. Só para esclarecer, Lena Horne é uma cantora e atriz norte-americana que fez muito sucesso nas décadas de 40 e 50.




Caso Paulo Francis ainda estivesse vivo, ao ouvir a frase de Jamie Foxx, talvez fosse levado a rever sua afirmação e dissesse: "Obama é hoje a mulata mais graciosa da América desde Michael Jackson." Obama superou Michael, que, por sua vez, já havia superado a Lena. E assim vai dançando a humanidade pelos bailes da vida, da arte e da política.


O cenário e a postura de Obama no desenho são inspirados em uma foto de Evandro Teixeira, que mostra a atriz Zezé Mota sobre um carro alegórico de escola de samba. A foto foi utilizada por ele para traduzir em imagem a música "A tua presença morena", no projeto "A imagem do som", em que artistas plásticos de diversas áreas foram convidados a criar imagens inspiradas nas músicas de Caetano Veloso.




14 de jul. de 2009

O Papa na África

Essa charge veio com muito atraso, pois tive que interromper o trabalho com ela para terminar a dissertação de mestrado e fazer os desenhos para a exposição do Marquinho Pimentel, além de homenagiar o Michael Jackson. Mas nasceu... E de qualquer forma, o fato passou, mas o tema continua polêmico.

A AIDS na África é um problema particularmente grave, todos sabemos. Em março deste ano o Papa esteve naquele continente e, na viagem em direção a Camarões, em entrevista a jornalistas, defendeu que os fiéis abandonassem o uso de camisinha e optassem pela castidade, pela abstinência e pela fidelidade no matrimônio, como formas de se evitar a AIDS. Será que alguém deu ouvidos ? Se todos por lá conseguirem ser castos, abstêmios e fiéis ao mesmo tempo, o que acho pouco provável, a estratégia pode dar certo. Caso contrário, segundo especialistas em saúde, o negócio pode complicar.

Sempre achei que o Papa tem uma certa semelhança física com o nosso saudoso Chacrinha. Não pude deixar de lembrar daquela marchinha do Velho Guerreiro, um verdadeiro serviço de utilidade pública que deveria ter sido encampado pelo ministério da saúde: "Bota a camisinha, bota meu amor. Hoje tá chovendo, não vai fazer calor." Imaginei o Papa, com a cartola na cabeça e o telefone na barriga, a moda de Chacrinha, pregando o contrário para os africanos: "Tira a camisinha, tira meu amor. Hoje não tá chovendo, e vai fazer calor."

O Papa chegou a ser acusado de estar propagando formas medievais de compreensão do mundo. Injustiça com ele ? Não sei. Por via das dúvidas, abandonei a idéia de desenhar o sumo pontífice banhado pelo escaldante sol africano e preferi desenhá-lo sobre o cenário da pintura medieval de um Cristo Pantocrator, hoje exposto no Museu de Arte da Catalunha, que possui um dos maiores acervos de pinturas medievais da Europa. Retirei a figura do Cristo e inseri o Papa, com os adereços do Chacrinha. Os traços das mãos, dos pés e da batina branca, reproduzem também os traços característicos da figura do Cristo original existente na pintura. Ou seja, já que o "meio é a mensagem", como diria Mc Luhan, nada melhor do que um estilo medieval, para expressar idéias medievais.

9 de jul. de 2009

Maicounaíma

Resolvi fazer essa homenagem a Michael Jackson. É curioso o fato de que um de seus últimos trabalhos tenha sido feito no Brasil, com cenas no pelourinho, na favela da rocinha e percussão do Olodum. Imaginei que talvez ele já tivesse lido o livro Macunaíma, de Mário de Andrade, pois o personagem título, que no início do livro é negro, toma banho numa poça de água mágica e fica branco.

Criei assim este título, Maicounaíma, que combina a sonoridade do nome Michael (maicou) e o nome do herói brasileiro, Macunaíma. No cinema, o Macunaíma negro foi interpretado por Grande Otelo e o Macunaíma embranquecido, por Paulo José. No alto da charge, ao lado do título, coloquei o trecho do livro que narra a transformação.
Sobre um palco de teatro, vemos, da esquerda para a direita, Michael dançando em três fases diferentes. Enquanto dança, ele se trasforma e fica branco. Primeiro, seu visual na década de 70, ainda no Jackson Five, com aquela cabeleira Black Power e figurino em cores extravagantes. Depois, sua fase mais próxima de obras como Triller e Billy Jeans, na década de 80, já com o nariz e os lábios mais finos, o cabelo engomado, aquele figurino escuro com luvas brancas brilhantes e o passinho do moonwalk. E finalmente, nos últimos anos, já completamente branco, de cabelos lisos, em pose que lembra suas perfórmances nos clipes Black or White e They don’t care about us.

Despedindo-se do público, ele canta o samba enredo da Portela, de 1975, que usou Macunaíma como tema. Neste refrão, o herói se despede da terra, sobe aos céus como seus antepassados e vira constelação, segundo reza a mitologia indígena brasileira. Para reforçar a atmosfera carnavalesca e tropicalista, utilizei como fundo da charge uma recriação do cenário da peça O Rei da Vela (escrita por Oswald de Andrade e dirigida por José Celso Martinêz Corrêa na década de 60) feito por Hélio Eichbauer e utilizado por Caetano Veloso para ilustrar a capa de seu disco Estrangeiro, de 1989.

Por fim, acabei constatando, durante o trabalho, que o fato de Michael ter afinado o nariz, alisado o cabelo, clareado a pele e se exposto dessa forma, talvez tenha sido a maior e definitiva obra de body art do final século XX.