16 de jan. de 2013

PAZ, CONCÓRDIA E PRAZERES


A segunda ilustração da série feita no CEAD, para o curso sobre relações raciais:




O quadro “Paz e concórdia” foi pintado por Pedro Américo no final do século XIX, sob encomenda do governo brasileiro, num contexto de afirmação dos valores oficiais da república recém proclamada, incluindo a abolição da escravatura. Curioso perceber que no quadro original não existem negros retratados. Recriamos então a imagem tentando sugerir como ela seria pintada por Heitor dos Prazeres (1898 – 1966), pintor negro, sem formação acadêmica, autor de uma obra repleta de referências ao cotidiano e a cultura da população negra do Rio de Janeiro. Não pretendemos reproduzir o traço e o estilo do autor mas preservar o colorido e a atitude de suas figuras, a celebração, o movimento, o gesto, a dança, os olhos sempre voltados ao céu.

11 de jan. de 2013

CRISTO OXALÁ

Esta foi a última ilustração que fiz no CEAD, ano passado, para o material didático de um curso sobre relações raciais. A proposta era integrar numa mesma imagem elementos da cultura africana e referências culturais diversas. A professora me deu total liberdade para criar as imagens, o que me permitiu exercitar profissionalmente algo que venho fazendo já há algum tempo com meus desenhos: a releitura de imagens clássicas ou emblemáticas, estabelecendo uma articulação com outras imagens, fatos, personagens, textos, músicas, enfim com qualquer elemento que, colocado em contraponto, possa revelar aspectos inusitados do material original.

Foram produzidas quatro imagens que pretendo compartilhar aqui nos próximos dias. Há sempre um texto que acompanha os desenhos, explicitando as referências culturais utilizadas e disponibilizando links para materiais relacionados na web. Pretendo dar sequência a este trabalho, de forma independente, com a criação de novas imagens dentro da mesma proposta.

Nesta imagem, comento o filme Rio 40 graus e o sincretismo religioso brasileiro através das figuras de Cristo e Oxalá. O trabalho foi altamente gratificante e este desenho me agradou de forma particular. Abaixo, segue também o texto do material com os links disponíveis.



O filme Rio 40 graus (1955), de Nelson Pereira dos Santos, tematizava de maneira inédita o cotidiano da população dos morros do Rio de Janeiro e teve sua exibição proibida pela censura. Na última cena do filme, após imagens do ensaio de uma escola de samba, vemos a paisagem da Baía de Guanabara, com o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor, ao som da música “A voz do morro“, de Zé Keti. Um dos argumentos do censor para a proibição do filme, seria a coincidência da imagem do Cristo Redentor com o verso da música que diz: “eu sou o rei dos terreiros” (coincidência não intencional, segundo o diretor Nelson Pereira).

A partir da observação feita por uma amiga minha, imaginamos a estátua do Cristo Redentor transformada em Oxalá, a divindade que corresponde a Jesus no sincretismo da umbanda e do candomblé com o catolicismo (a mesma imagem já foi também sugerida na música “Cristo e Oxalá”, da banda O Rappa).

O quadro reproduz o visual típico de um fotograma cinematográfico envelhecido, com o carimbo da censura, como se esta imagem fosse de fato a última cena do filme Rio 40 graus.

9 de jan. de 2013

A MULHER ALADA


Finalmente, depois de alguns anos de trabalho, está pronto o desenho animado A MULHER ALADA. Não gosto muito do termo "animação", pois acho que ele atualmente é genérico demais, devido a profusão de técnicas usadas pelos artistas, como o stop motion e a modelagem 3D. Prefiro ressaltar o fato de ser um "desenho" animado, pois a técnica usada aqui foi exatamente esta: cerca de 2000 desenhos a grafite e nanquin na mesa de luz.

As pessoas têm me perguntado sobre a motivação inicial para realizar o filme: "de onde você tirou esta ideia ?" Sinceramente, não me lembro. Acho que ocorreu meio a moda surrealista: imagens que se sucederam na minha mente, de forma espontânea, como num sonho em vigília. Mas isso não impede que eu faça algumas especulações sobre seu significado ou sobre o que eu sinto a seu respeito. Acho que ele é uma grande homenagem à liberdade. E isto se reflete até na maneira como ele foi produzido, sem qualquer tipo de patrocínio ou financiamento que me colocasse condições de tempo, formato ou tratamento. Liberdade total na criação e na execução. A consequência: o trabalho se arrastou por longos oito anos.

No decorrer do trabalho, uma coisa começou a me chamar atenção. O tema de uma mulher com asas é pouquíssimo abordado, tanto na literatura quanto nas artes visuais. Os anjos, embora não tenham sexo, são geralmente retratados como homens, ainda que um tanto andrógenos (me lembro agora de dois anjos de Caravagio retratados como mulheres). O que isso indica ou simboliza ? Sinceramente não sei. Recentemente ouvi uma música sertaneja da dupla Gino e Geno, que possui a seguinte estrofe: "Eu digo isso, digo numa boa, mulher que não dá voa. Eu penso assim, continuo pensando, nunca vi mulher voando." Mas o que eu percebo é que cada vez mais elas voam, dando ou não...

As cenas do filme foram desenhadas numa sequência aleatória, de acordo com minha disposição em cada momento. Isso quer dizer que trechos da cena final, por exemplo, foram desenhados há seis ou sete anos, enquanto trechos do início foram desenhados agora em 2012. O resultado disso é uma perceptível irregularidade no estilo (do realismo ao cartoon e ao puro grafismo) e mesmo na qualidade do traço. Há desenhos bem legais e desenhos bastante toscos. Isso quer dizer que meu desenho melhorou nos últimos anos e o filme traz uma radiografia desta evolução.

Acabei optando por não colorir os personagens, após ouvir a opinião de algumas pessoas que achavam o resultado sem cor mais bonito que o colorido (talvez por ressaltar o aspecto artesanal do trabalho). Eu desde o início tive dificuldade em conceber um esquema de cores harmônico para o filme. Tenho a impressão de que ele se recusava a ser colorido. Coloquei cores e texturas apenas nos cenários, ainda assim sem critérios muito objetivos. Acho que a variação um tanto aleatória nos matizes das cenas de voo contribui para a atmosfera surreal da história. Em algumas cenas, porém, usei cores que se adequassem à situação temporal ou emocional.

A verdade é que a opção por não colorir os personagens me polpou mais alguns meses de trabalho no photoshop, o que me possibilitou finalizar o vídeo a tempo de exibi-lo no Festival Primeiro Plano de 2012. A última cena, em que o personagem sai do filme e entra no papel em branco, se libertando de sua situação inicial de confinamento e paralisia (numa espécie de meta-linguagem) foi desenhada e finalizada de madrugada, horas antes da sessão do festival. A ideia original era de que ele saísse correndo pela rua, mas simplesmente não houve tempo de desenhar o cenário. Achei tão interessante o resultado, que resolvi manter o final daquela forma, mesmo tendo a possibilidade de alterá-lo depois de realizada a primeira exibição no festival.

A trilha sonora utiliza alguns clássicos do século XIX, mas pretendo ainda este ano providenciar uma trilha alternativa, devido a possíveis problemas com direitos autorais que já se pronunciam. Segue o vídeo: